A experiência mexicana foi uma das experiências mais avassaladoras que tive em viagem. Julgava eu que todos os mexicanos eram mafiosos, pessoas que mereciam todos os nossos cuidados e que a qualquer momento poderia estar envolvida num aparato trágico, à medida de uma cena hollywodesca com uma música à mistura. Daqui, só ficou a música.
A verdade é que esta foi a minha primeira grande viagem organizada por mim e tenho saudades dela. Nessa altura era uma pessoa muito mais estereotipada do que hoje relativamente às ideias pré-concebidas de um determinado local e seus habitantes. E fiquei tão surpresa por ser o contrário. Vou passar a contar...
Fomos as três. Em Madrid quase que perdíamos o avião. Primeiro começou por atrasar-se relativamente à hora de levantar voo, depois anunciaram uma hora de levantar voo que mais tarde anteciparam e não fosse eu a andar sempre de volta daquelas televisões que existem no aeroporto e tínhamos perdido o voo. Foi também a primeira vez que apanhei voo em Madrid e fiquei surpreendida com o tamanho do aeroporto, tive de andar numa espécie de metro para fazer o transfer do voo.
Chegámos ao México e ficámos uma noite em Cancun para descansar. No dia seguinte partimos para Chitzén-Itza onde ficámos num hotel de portas abertas para o campo arqueológico. Nos nossos bungalows muito giros éramos visitados por iguanas. Gostei muito de ter ficado neste hotel. Acho que nos deu a paz de espiríto para visitar as ruínas e tempo. Sobre as ruínas, há pouco (muito) a dizer, são fantásticas. Quando fomos já não podíamos subir aos monumentos. No final do dia, ouvíamos os Mariachis a cantar com a sua voz rouca e solene, ao sabor de umas margaritas e ficámos prontas para ir para Merida. Para apanharmos o autocarro, alguém simpático disponibilizou-se para nos levar ao local e chegámos a Merida.
Mais parecia que estávamos numa cidade espanhola e as suas arcadas foram abençoadas nas horas de maior calor. Na praça da independência descansa-se à volta de um coreto, engraxa-se os sapatos entre dois dedos de conversa, toca-se música ou vende-se artesanato, os locais e os indigentes turistas que passam por ali. Eu fui aqui entrevistada para a rádio local. Um jovem perguntou-me: -"O que vais fazer em caso de furacão?", e eu apenas fui capaz de balbuciar, - "vai haver um furacão?". A Merida moderna é um reboliço. Muito tosca, muito desorganizada, algo suja e estridente-bastante sul americana.
De Merida fomos para Campeche. Mais umas horas de autocarro e lá chegámos. Mais uma cidade colonial, com as casas coloridas como mandam as regras, com um forte à beira mar, uma igreja com um cristo preto e um extenso jogo de bingo pelas ruas empedradas, num domingo à tarde, jogado pelas mulheres locais. Conhecemos umas jovens que nos deram uma boleia até à discoteca que mais parecia uma gruta com esqueletos a serem abanados. As nossas amigas tinham uma particularidade, estavam todas a sofrer um desgosto de amor. Então, durante a boleia, despejavam a sua raiva através de gritos e nomes feios contra os homens, um pedaço da humanidade que, segundo elas, devia ser extinguida. Foi também em Campeche que assistimos a uma "briga" de empregados de mesa que faziam competição para atender as "señoritas". Regra geral, éramos bastante galanteadas pela população masculina. De Campeche estava destinado apanharmos um autocarro direto para Palenque, mas não foi assim. Quando chegámos à estação de autocarros para comprarmos os bilhetes, só havia dois bilhetes. Tivemos que ir até Villahermosa e depois daí para Palenque. Daqui resultou mais 5 horas de autocarro. Depois desta viagem passei a reservar sempre os bilhetes de autocarro com antecedência. Já me valeu alguns dissabores.
De Villahermosa só me lembro da chuva torrencial e do abatimento das beiras da estrada que, a partir daqui até San Cristóbal de Las Casas, foi uma constante. Ficámos umas horas a aguardar pelo autocarro num tasco local, a Cláudia e a Hélia, à base de coca cola, eu resolvi apostar no almoço local. Apesar do restaurante se assemelhar a um restaurante de feira e dos alertas das minhas amigas sobre as iguarias, a verdade é que me soube bem e não me fez mal. Regra geral, comíamos sempre fora do hotel, em restaurantes locais e a comida era bastante apetitosa e picante, só sentia falta de não encontrar pão como o nosso, especialmente ao pequeno-almoço.
A viagem de autocarro até Palenque terá demorado umas cinco horas. Em Palenque voltámos a encontrar muitos turistas, sobretudo italianos. Adorei o templo arqueológico de Palenque. Relativamente a Chitzén-Itza, este templo está mais fundido com a selva, para já não falarmos de Bonampak e Yaxchilán. Fiquei com pena de não ter feito um passeio a pé de várias horas pela selva. Em Palenque tínhamos um guia quase privado que nos levou às cascatas e aos vários campos arqueológicos. A ida às cascatas de Água Azul foi um dia bem passado, mas bem melhor foi a ida a Yaxchilán. Madrugámos e tomámos o pequeno-almoço na selva, ainda de noite. Depois, navegámos no rio Usumacinta, numas barcaças a serem olhadas pelas bocas de uns grandes crocodilos, já perto da fronteira com a Guatemala. As ruínas de Yaxchilán são fantásticas. No meio da selva, ouvimos os gritos loucos dos macacos que em cima das árvores miram os seus visitantes. No regresso, vimos pessoas das tribos locais, algumas nem castelhano falam. Umas crianças fizeram paragem ao carro e lá comprámos umas bananas e umas nancys. As nancys eram um bocado azedas, o que motivou muito riso durante a viagem até ao hotel.
De Palenque rumámos até San Cristóbal de las Casas. Uma viagem de loucos de autocarro. Tive que rezar à virgem Guadalupe para não termos um despite. O motorista conduzia com grande "destreza" pela estrada em risco de desmoronamento devido às chuvas intensas. A cada momento via-se o precipício. A Hélia tomou um comprimido para o enjoo que um companheiro de viagem desconhecido lhe deu, após a ver em extrema agonia, e adormeceu. Eu não tive a mesma sorte e fiquei a pensar que ainda teria que fazer esta estrada novamente para irmos para Tulum. Já a chegar ao destino fomos parados pelas forças militares que inspecionaram o autocarro de alto a baixo e pediram a identificação a todas as pessoas. No meio de um silêncio gélido no autocarro, a Hélia teve um ataque de riso. San Cristóbal de las Casas já foi palco de guerrilhas armadas pelo que o controlo policial é muito forte nesta zona. Não vá um movimento separatista tentar a independência.
San Cristóbal de Las Casas é uma cidade empedrada, com casinhas rasteiras coloniais, várias igrejas coloridas, em altitude. Tem mercados coloridos, onde a melancia é um fruto muito apreciado e as indígenas tecem as lãs que dão origem a várias mantas coloridas e saias. Estes mercados são muito frequentados pelas comunidades de San Juan de Chamula e de San Lorenzo de Zinacantán. Tivémos a oportunidade de visitar a aldeia destas comunidades e na igreja de San Juan de Chamula vimos um misto de cristianismo com paganismo quando os indígenas locais rogavam as suas preces e ao mesmo tempo ripostavam zangados com o deus a sua falta de sorte, regando com coca cola algumas imagens biblícas e iluminando a igreja com centenas de velas. Estas comunidades têm muitas surspetições e uma delas é que não gostam de ser fotografados, pois acham que a fotografia lhes rouba a alma.
De San Cristóbal de Las Casas fomos até Tulum. Tivémos que fazer outra vez o caminho de autocarro até Palenque, desta vez a viagem foi menos intrépida, o autocarro andou mais devagar. Depois tivemos uma viagem noturna por estradas onduladas até Tulum. Ao todo foram cerca de 14 horas de autocarro. BaH!
As viagens de autocarro têm a televisão bem alto ou rádio, e espectaores atentos que não se importam com a gritaria. É mesmo assim. Em Tulum, ficámos nos bungalows tradicionais junto à praia. Era só abrir a porta da cabana e dar um encontrão num gigantesco caranguejo azul e lá estavamos nós na praia, com o mar só para nós. Para termos uma refeição decente tínhamos que nos deslocar ao centro de Tulum, os nossos serviços de hospedagem eram limitados. Ainda assim, fizémos amigos com o dono do hotel vizinho que nos levou ao centro de Tulum e nos deu pão com Nutella no seu hotel. A Cláudia foi alvo de um ataque por mosquitos cujas picadas substitiram nas suas pernas no regresso a Portugal. Imensos turistas eral selvaticamente atacados e ao chegarmos a Cancun tivémos que levar a Cláudia à Cruz Vermelha, tal era a inflamação. A Hélia viu tartarugas a desovar, um luxo! Tulum foi um dos locais mais selvagens de praia em que eu estive, mas a especulação imobiliária não pára e aquela zona já estava em transformação.
Tulum tem também um centro arqueológico que, por ser junto ao mar, é diferente do que vimos anteriormente. E muitos cenotes, verdadeiros poços da morte de donzelas.
De Tulum, seguimos para Cancún, de autocarro. Foram cerca de duas horas. Em Cancún, não ficámos num resort de topo e foi um erro. A maior parte da linha de costa está ocupada com resorts que têm as suas praias privativas. Isto significa que o que sobra é mau. Tínhamos que percorrer uns quilómetros até à praia pública que não era nada de especial. Mas a festa à noite era boa! Grande animação quando "as portuguesas" chegavam aos bares locais. A festa decorria ao som da música latina e de alguma tequila. Despedimo-nos de Cancún com um grande jantar e fomos para o aeroporto um dia antes deste fechar, devido a um furacão que se aproximava. A viagem para Portugal foi das mais turbulentas que até hoje senti ao andar de avião, parecia que o avião caía dois metros de uma vez só. Mas chegámos -cansadas e divertidas!